quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-07- COMO IR. CARLOS VIVEU NAZARÉ




2ª PARTE – CAP. 02 – COMO O PADRE DE FOUCAULD DESCOBRIU E VIVEU O MISTÉRIO DE NAZARÉ = Escrito em 28/12/1946





“Carlos de Foucauld, uma vez convertido, sente-se irresistivelmente levado a incluir tudo no amor de Jesus, e esse amor leva à imitação”, não só interiormente, mas também numa conformidade exterior ao estado de vida vivido por Jesus.

Lembro que todo cristão deve ser um outro Cristo em virtude de uma imitação espiritual. Só alguns receberam por vocação, a da imitação do estado de vida em Nazaré. Mesmo a esses, nem todos são obrigados a conceber essa imitação com a minúcia material que comportava a vocação muito pessoal do Padre de Foucauld.

Esse seu comportamento o levou a imitar até à minúcia a vida de Jesus em Nazaré, a ponto de acharmos talvez um tanto rígida e inumana sua evocação dos costumes da Sagrada Família.

Não podemos criticá-lo, a não ser se ele quisesse impor esse tipo de vida a outros, se bem que ele nem sempre soube evitar essa atitude. Com essa ressalva podemos elogiar as lições de simplicidade, de generosidade lógica no amor, que encontramos nessa alma que atingiu em cheio o espírito de infância espiritual. As crianças empenham todo seu ser e seu amor no relacionamento com os pais.

Para isso é preciso uma humildade, que seja uma verdadeira desapropriação de si e nos leve a nos entregar totalmente em cada um de nossos gestos de amor, como o fazem as crianças.

O maior obstáculo ao desenvolvimento e ao desabrochamento da caridade deve-se ao apego nosso a nós mesmos, atitude tão profundamente enraizada em todos, um amor próprio latente.

O amor realmente “leva em si a necessidade de aderir ao amigo, de imitá-lo o mais completamente possível. Nosso amor por Jesus não poderia escapar a essa lei.”. Uma inteira conformidade com o Verbo Encarnado.

A forma de imitação variará somente conforme os estados de vida e as vocações individuais: a do Irmão Carlos não deixa de ser muito pessoa.

“Nossa vocação de Irmãozinho de Jesus deve também brotar de uma necessidade de imitação por amor (...) que diz respeito, pois, à Vida de Nazaré.”

O Pe. De Foucauld não se sente chamado à vida de ministério, decisão essa irrevogável. Toda a sua vida se emprenha em prosseguir na imitação da vida de Jesus em Nazaré. Ele “descobriu sucessivamente os elementos do mistério de Nazaré, à medida em que sua evolução interior o colocava em condições de compreender e de viver cada um desses elementos”.

“Sua ordem de descoberta corresponde à ordem em que devemos tentar viver os diversos aspectos da nossa vocação.” Seus exageros ou exclusivismos foram eliminados como que por si mesmos à medida em que ele prosseguia seu caminho.


PRIMEIRO PERÍODO: Desde a conversão até o fim de sua estada na Terra Santa.

Realismo concreto. Quer viver nos próprios lugares em que Jesus viveu. Forma de amor ainda bastante imperfeita. Sempre se lembrará da Terra Santa, que deixou ao perceber que não era a vontade de Deus.

Procura de abjeção que influencia a´te de modo excessivo a concepção que ele tem da vida de Jesus em Nazaré.

É acompanhada da humildade, obediência e da pobreza, de mortificação de penitência.

Sua concepção da pobreza é encarada em funçaõ do trabalho: quer que os irmãos ganhem a vida com o trabalho operário.

Caminho:- a prática dessas virtudes: humildade, mortificação, pobreza, afastamento do mundo, que o desapropriaram de si mesmo, libertaram-o para o amor.

“Para dar-se é preciso que agente se possua completamente e esteja livre e disponível”. Ele praticou todas essas virtudes na própria força e movimento do amor”.

A vida de Nazaré foi pobre, dura, infinitamente humilde, mas não abjeta, e nisso o ir. Carlos difere totalmente de Jesus. O Ir. Carlos tem necessidade da abjeção, e não está errado. De onde vem essa necessidade de abjeção, de humilhações, de opróbrios, que transborda do coração de tantos santos?

É a consequência de um enorme amor por jesus, embora já esteja em germe nas exigências de todo e qualquer amor que tende a dar provas de si mesmo, a exprimir-se exteriormente em atos gratuitos, que não tenham de fato outras causas senão o amor.

Um amor sem certas loucuras mereceria o nome de amor? O Cristo, seus santos, todos foram excessivos nas manifestações de seu amor. Essas loucuras (busca do desprezo, humilhação que são a abjeção) não são uma coisa sábia no sentido da sabedoria divina?

Conformidade com o mistério de Jesus Crucificado. O escândalo da Cruz. “É pela necessidade de imitar que o cristão encontra uma alegria e uma paz misteriosas no opróbrio, na humilhação, desprezos sangrentos”. Tem sua raiz na própria abjeção do Crucificado. Compreenderemos isso meditando a Paixão. Nós nos acostumamos tanto com as narrações evangélicas que já não avaliamos mais suficientemente a cena do julgamento de Jesus e as demais abjeções de sua vida toda.

Se realmente amamos, como não desejarmos provar nosso amor a Jesus do mesmo modo que Ele escolheu para provar-nos o Seu? Seria lógico um amor que não fosse até esse ponto?” Aí entendemos os gestos dos santos, gestos esses que chamamos de loucura e de originalidade, de modo pejorativo.

“Ir. Carlos, revestido de uma túnica árabe riscada, toda remendada, em farrapos, recolhendo esterco nas ruas de Nazaré, objeto de zombaria de todos os moleques, encontrando sua alegria nas troças e na pedras que lhe são atiradas...”

“ A procura da abjeção, como expressão de um autêntico amor, deve ser submetida ao governo dos dons do Espírito Santo(...). Pode,pois, acontecer que seja falsa, constrangida, prematura, essa procura da abjeção; ela não terá, então, por fruto, a alegria perfeita “no Espírito Santo”, mas terminará, o mais das vezes, numa certa complacência comigo mesmo”.

“ É preciso, pois, distinguir cuidadosamente a procura deliberada da abjeção” (sem a moção dos dons do Espírito Santo) “do amor pela abjeção e do desejo de sofrer abjeção para se plenamente configurado a Jesus Crucificado.” Só há esse desejo quando houver um amor verdadeiro por Jesus: é um elemento desse amor nascido ao pé da Cruz.

A fé nos faz encontrar alegria nessas abjeções. A humilhação nos é muito difícil!

Um terceiro aspecto do estado de alma de C. De Foucauld enquanto vivia na pequena cabana de tábuas do jardim das Clarissas é a fé na presença real de Jesus na Hóstia.

Assistia a todas as missa que eram celebradas na capela do mosteiro, além de adorar muito o Santíssimo.

É a presença de Jesus que configura a Fraternidade com a verdadeira casa de Nazaré. Essa experiência eucarística que ele teve foi a base de toda a sua vida de oração, a qual se realiza nessa Presença tão amada. Continha, então, um germe de uma vida eucarística completa.

“Querendo fazer de toda sua vida uma imitação da vida de Jesus, ele a orienta definitivamente numa perspectiva nitidamente contemplativa e cristocêntrica. Tudo na sua vida é para Jesus. Estejamos vigilantes também, para que nossa vida seja nitidamente, e desde o começo, orientada nesse sentido: é por amor do Cristo, para realizar plenamente uma amizade com Ele, que queremos viver uma vida e oração, de trabalho e de caridade”.

O critério de devotamento aos irmãos é que seja nossa vida um testemunho de vida divina, e não uma luz e perspectiva puramente humanas. A caridade deve ser um verdadeiro transbordamento de amor divino!

Vamos aprender com o Pe. De Foucauld a fazer esse trabalho de desapropriação de nós mesmos, que não se faz senão pela humildade, pela obediência, pela mortificação, pela pobreza, e esse amor pela abjeção da qual falamos.

Oração eucarística na base de uma fé corajosa, esclarecida, na Presença real de Jesus.


SEGUNDO PERÍODO:- Desde a aceitação da perspectiva do sacerdócio até o fim da estada em Beni-Abbés.

Sua evolução espiritual, centrada na realização da 1ª Fraternidade e na fundação da Congregação dos irmãozinhos do Sagrado Coração faz aparecer uma concepção ampliada da Vida de Nazaré. Algumas características novas:


A atividade redentora oculta do Salvador em Nazaré


Devoção ao Sagrado Coração


Salvação das almas


Exercício de uma caridade muito grande para com o próximo. O amor de Deus e do próximo não podem andar um sem o outro.


Em Beni-Abbés, rompe sua clausura por motivo desse amor ao próximo, desarranja seus horários, procura deliberadamente o contato com todos os que o rodeiam: negros, árabes e europeus. Inspira-se nos contatos que Jesus deveria ter tido com seus vizinhos e outros habitantes de Nazaré.

Essa descoberta é feita em Beni-Abbés na vida cotidiana. Deixa de ser a simples hospitalidade, do regulamenteo de 1899, para uma verdadeira vida em contato constante. “Beni-Abbés é, portanto, como que um período de transição”.



TERCEIRO PERÍODO:- Os últimos anos de Tamanrasset.


Sem elementos novos, mas “o pleno desenvolvimento de sua caridade e de uma vocação de agora em diante, plenamente possuída”.

“O ajuste definitivo de sua concepção da vida de Nazaré será feito, sem dúvida, mais no concreto dos atos que na enunciação dos princípios”.

Numa carta de maio de 1911, há um esboço de “traduzir essa concepção no plano de uma organização de vida religiosa em comunidade.”

Período rico em aplicações práticas: “Vida deliberadamente engajada na das populações tuaregues, sem separações nem constrangimentos”;

Contatos mais nitidamente procurados fora da Fraternidade, como visitas, saídas, excursões.

Conhecimento aprofundado da língua, folclore e costumes dos habitantes.

“A expressão de sua devoção eucarística passa por uma evolução profunda. Já não encara a perpetuidade da adoração como essencial às suas Fraternidade. Não hesita em deixar a celebração cotidiana da Missa por muitos meses, para ir estabelecer-se no meio do Hoggar, nem de ficar sem conservar a Eucaristia no Tabernáculo por seis anos durante os seis primeiros anos em Tamanrasset, por proibição de seu Prefeito Apostólico, por não haver cristãos na vizinhança.

“Sua devoção eucarística passou, por esse fato, como que por uma purificação,e sua vida eucarística como que se integrou em seu amor por Jesus”.

Desse momento em diante, o amor que tem pelos seus irmãos tuaregues é verdadeiramente compreendido e vivido por ele como uma das faces da única caridade que o une ao Cristo”.

Em Tamanrasset, porém, seu ideal continua o mesmo que desde o começo de sua vida religiosa: imitar a vida de Jesus de Nazaré. Para isso ele vive

-Períodos de vida mais solitária

-É um homem de súplica, de oração, verdadeiro contemplativo.

-Não faz ministério

-Almeja fazer outros irmãos participarem de sua vida.

Sua morte é a consumação visível e permitida por Deus de uma disposição de almas que sempre foi nele constante: a de salvar almas pelo dom de todo o seu ser a Deus. Esse fim é o sinal e a prova suprema do modo pelo qual quis, antes de tudo, ser “salvador” como Jesus e com Ele.


TODOS OS ASPECTOS DO MISTÉRIO DE NAZARÉ


1- Humildade, pobreza,oração, mortificação.

2- Cooperar na obra redentora do Salvador pela oração e pela imolação total de si mesmo no amor. Disposição expressa pela sua devoção Eucarística.

3- Amor pelas pessoas: amizade, relações muito simples e humanas com todos “como podia ter sido a Sagrada Família de Nazaré”.

4- Ganhar a vida pelo trabalho de suas mãos: não conseguiu viver esse aspecto de seu ideal, “impedido pelas próprias circunstâncias no meio das quais viveu, por sua solidão e pela necessidade de aprender e de penetrar completamente uma língua estrangeira”. Mas sempre se lamentou que não pudesse fazer isso, e sempre renovava a resolução de aplicar-se a ele desde que pudesse.

Sabemos que em Bení-Abbés e em Tamanrasset não havia outro modo de viver senão sera julgado pela sua família, como ocorreu.

Sua vida, tomada em seu conjunto, apresenta-se como a realização de um ideal original, seguido com constância e perseverança, no mais livre desenvolvimento de uma vida muito pessoal.

É esse ideal que ele propõe às suas fundações. Faltava fazer essa adaptação depois de sua morte.



Pe. René Voillaume, 28/12/1946.