quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-23-NAZARÉ


CAPÍTULO 3 DA 4ª PARTE.


NAZARÉ.

(Nazaré, 27/06/1948).


O autor comenta que teve quatro dias plenos de silêncio e solidão em Nazaré, em plena zona militar e a alguns quilômetros dos postos Sionistas.
Ofereceu a Jesus Operário todas as Fraternidades presentes e futuras. Andar, pisar e contemplar o lugar que ele contemplou durante trinta anos é uma graça inexprimível. Entretanto é muito diferente daquela Nazaré de seu tempo. “ As pesadas e tão imponentes construções de mosteiros e conventos, emergem, como fortalezas, da massa das humildes casas e parecem um tanto chocante no meio da modesta aldeia. A gente afasta delas o olhar, com certa tristeza, e os volta, mais à vontade, para as ruelas mal calçadas, tortuosas, que sobem e descem entre pobres casas da velha cidade. As estradas asfaltadas, os fios elétricos, os automóveis e os ônibus, as camisas americanas dos jovens nazarenos, tudo isso choca menos”: Nazaré está bem enraizada e presente no seu século.

O autor comenta a escravidão da vida operária em Nazaré. “Quase todos os homens, levados bem cedo em caminhões, iam, antes da guerra, trabalhar nas usinas de Haiffa, a 15 quilômetros daqui.” Comenta também o clima de guerra que havia nessa sua estada lá, em junho de 1948, e descreve os trajes dos militares, suas metralhadoras, os refugiados, que fizeram triplicar a população, e comenta: “Nazaré carrega, como se estivesse resumido em si, um pouco de tudo o que faz o peso da vida cotidiana de cada homem neste mundo atual. Acima de tudo, entretanto, persiste a calma, a paz e a doçura única que emanam do céu e do campo da Galiléia: Nazaré continua serena e silenciosa no seu sofrimento. A lembrança de Jesus, de sua Mãe, de seu pai, dos seus vizinhos está aqui, presente em toda parte. E ela não nos deixa. Também está aqui a lembrança do Padre de Foucauld, ainda mais próxima de nós, bem viva na memória de todos os que o viam circular, com passos apressados, bem junto aos muros e saudando profundamente os transeuntes que ele conhecia.”

O autor continua a descrever certas construções, como o Convento das Crianças, e conclui: “Nazaré não me decepcionou, porque de todo esse ambiente se exala um encanto e uma graça incomparáveis. Melhor do que em qualquer outro lugar, eu aí compreendi a vocação da Fraternidade: ela é um tesouro que Jesus, adolescente e operário, pobre entre os pobres, nos lega por intermédio do seu humilde Irmãozinho Carlos de Jesus.



APROFUNDAMENTO

O que eu compreendi aqui é algo que se deve viver, e isso só Jesus pode dar a vocês, no íntimo do coração. “É preciso não complicar nunca as coisas. A vida de Jesus foi simples: simples deve ser a nossa.” Ninguém aí vive essa vida religiosa inteiramente perdida na humilde pobreza cotidiana das famílias da aldeia, com a qual sonhou o Pe. De foucauld, e estou certo que um dia haverá Irmãozinhos em Nazaré. Só que as Fraternidades não vão aparecer, e ninguém ao chegar deverá vê-las.

Isto aqui tem o valor de um lugar único de nossa vida de oração. Aspectos essenciais de nossa vida:

-o silêncio exterior de ação de uma vida toda voltada para Deus em uma oração de adoração e reparação;

-uma presença na amizade ao trabalho, dificuldades, pobreza dos homens de nosso século.

São duas tendências só aparentemente contraditórias. Elas são nossa razão de ser. Muitas vezes “será posta em dúvida a utilidade e a razão de ser da vida de vocês, separada pela castidade e a oração. Quererão que vocês sejam mais como todo mundo(...) e se dediquem à atividade de um verdadeiro apostolado organizado. “ Vão achar a vida de vocês um tanto inútil!

“A vida contemplativa, enclausurada ou não, não é outra coisa senão a antecipação do que deve ser um dia o estado de vida de toda a criatura humana(...). Se não for assim, ela não tem sentido”. Ela é “uma antecipação, na terra, da vida gloriosa”.

“Por que permanecer casto? (...) a única (razão humana da verdadeira legitimidade do voto de castidade) é a da antecipação”. Em Lucas 20,34-36 Jesus diz que um dia a castidade será o estado de todas as pessoas, após a ressurreição. Nada mais justifica a vida consagrada, “do que o fato de ser simplesmente uma antecipação da visão beatífica”.

“A vida das Fraternidades causará um choque, surpreenderá, não será compreendida e este será o sinal mesmo da necessidade de sua presença”: a Fraternidade deve ser um testemunho vivo e uma antecipação concreta, se bem que imperfeita, do Reino futuro de Jesus e do destino glorioso de todas as pessoas”. Esta é uma necessidade própria de nosso mundo atual.

“Nossa missão no meio das pessoas é uma missão, sendo, ao mesmo tempo, uma necessidade de amor. Eis porque é preciso crer totalmente em nossa vocação.” É uma necessidade a presença de Jesus no meio dos pobres, afirmando o mistério transcendente de sua Divindade e de seu Reino, e de seu amor pela nossa miséria e penosa condição. Não tenham medo de seguir essa vocação. Vida de oração e de adoração própria, diferente da de um monge enclausurado. Talvez a vida de vocês será mais dura, mais dolorosa, mais cheia de lutas.

A oração de vocês será verdadeiramente a oração do povo que clama para Deus do fundo de sua miséria. Vejo as Fraternidades presentes em todos os meios e povos. “Tenham um ideal de vida que jamais seja rígido, que saiba adaptar-se a todas as situações, a todos os meios sociais. Nossa perfeição religiosa está muito mais na procura desse constante cuidado de permanecermos humildemente fraternos, para com todos, do que na de uma regularidade exterior. Os Irmãozinhos se espalharão por toda a parte. Eu vejo, cada vez mais nitidamente, a fisionomia diversa das Fraternidades: as da África do Norte, as da França, as do Oriente, do Líbano, da Palestina, do Egito, da Rússia e de outras partes, Fraternidades operárias, rurais, de montanha, nômades, de estudos, de adoração, marítimas, em terras de missão, mais empenhadas num esforço de caridade e de elevação do nível de vida. Todas devem irradiar a oração, a pobreza simples e corajosa, e o amor fraterno.”

Devem completar-se umas as outras material e espiritualmente. A diversidade está, também no temperamento de vocês. “Não se trata de satisfazer os caprichos ou as originalidades individuais, mas de orientar, em pleno equilíbrio humano e sobrenatural, Irmãozinhos generosamente prontos a todas as renúncias, por mais profundas que sejam, para que realizem sua vocação.”

Cada um tem suas possibilidades. Não se iludam a esse respeito. Temos nossos limites, impostos pelo nosso temperamento, pela nossa saúde e pela nossa educação. “O que é essencial é que cada um queira aceitar-se tal qual é (...). Estamos dispostos a aceitar tudo: o sofrimento, a doença, as contradições, a morte, o martírio, não porém os próprios limites de que sofremos, porque desejaríamos ser diferentes do que somos”.

“É preciso que impregnemos nossa vida cotidiana daquela simples e completa atenção de amor que permitiu a Maria emprenhar tudo num instante que poderia passar como tantos outros se ela não estivesse bastante alerta. A cada instante nós somos o que somos e é assim, sem vaidade nem pretensão, com amor e humildade, que nós devemos tomar-nos e darnos ou deixar-nos tomar de maneira imposta pelo momento de vida que nos é outorgado. Fora disto, tudo é ilusão e veleidade. Aceitar a vida não é nada: aceitar-se a si mesmo com seus limites atuais, eis tudo”.


O autor termina comentando algo de seus quatro dias em Nazaré, concluindo o capítulo assim: “Eu quereria simplesmente ser menos indigno das graças que Jesus aqui me concedeu”.