Pelo seu próprio testemunho de vida, Charles de Foucauld evidencia que a consagração religiosa não existe para si mesma. Sendo uma forma singular de seguimento de Cristo, deve assumir as mesmas opções de vida do seu Senhor.
Jesus entendeu sua missão como essencialmente salvífica: um serviço aos homens por expressa vontade do Pai. “Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4).
Jesus entendeu sua missão como essencialmente salvífica: um serviço aos homens por expressa vontade do Pai. “Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4).
Fruir da solidão e deleitar-se com um silêncio calmo e tranquilizador, nunca podem ser para nós, religiosos e religiosas, um fim em si. Enquanto andamos aqui na terra, a verdadeira contemplação cristã desdobra-se, por coerência evangélica, em doação apostólica.
A clausura não pode produzir um isolamento, um fechamento sobre si mesmo, pessoal ou comunitariamente. Vida cristã, segundo o espírito de Jesus, sempre procura estabelecer comunhão de vida com Deus e com os irmãos. Todos nós somos — em virtude de nosso batismo — chamados a anunciar a boa-nova do Reino, embora as modalidades desta missão possam variar consideravelmente.
Foucauld, como já vimos, entende sua missão apostólica na perspectiva de Nazaré. Não é a única opção e não é necessariamente a melhor ou mais perfeita. Mas não deixa de ser uma dimensão essencial do mistério de Cristo e, ao que parece, de uma grande atualidade num mundo em que as instituições oficiais do cristianismo sofrem forte abalo e, não raras vezes, caem em descrédito pelas próprias contradições que manifestam.
Evangeliza-se — na visão de Charles de Foucauld — pelo testemunho silencioso da própria vida. A 10-2-1910, escreve a alguém que queria partilhar sua experiência no deserto: “Há sempre muito que fazer pelo exemplo, pela bondade e a oração. Podem-se estabelecer relações mais amigáveis com almas indiferentes ou afastadas da fé a fim de as ir levando, pouco a pouco, à força da paciência, mansidão, bondade, pela influência da virtude mais do que por conselhos, a uma vida mais cristã ou à fé.
Pode-se entrar em relações de amizade com pessoas completamente contrárias à religião para dissipar, pela bondade e a virtude, suas prevenções, encaminhando-as deste modo a Deus...”
Charles de Foucauld, já no início do século XX, ou seja, praticamente há cem anos, praticava o que hoje conhecemos como inculturação e diálogo inter-religioso.
Foi, nesses campos, um pioneiro em plena época colonial.
Pioneiro com as limitações impostas naquele tempo pela mentalidade eclesiástica e pelos condicionamentos políticos. Promoveu uma concepção diferente da missão ad gentes, respeitando o ser diferente do outro e de sua cultura. Insistiu na solidariedade e na possibilidade de diálogo e, neste sentido, encaminhou iniciativas verdadeiramente inovadoras.
Escreveu a respeito disso o Papa João Paulo II: “O Irmão Carlos que, para traduzir os Evangelhos, aprendeu a língua dos tuaregues, compondo um léxico e uma gramática nesse idioma, não exorta, porventura, as pessoas que se inspiram no seu carisma a entrar em diálogo com as culturas dos homens de hoje e a percorrer o caminho do encontro com as outras tradições religiosas, em particular com o Islã?
Assim, as diferentes comunidades religiosas serão verdadeiramente ‘como comunidades comprometidas num diálogo de respeito, e nunca mais como comunidades em conflito’ (Discurso na Mesquita Omeyade, em Damasco, na Síria, 6-5-2001)...
Que as instituições espirituais do Padre Charles de Foucauld continuem a imbuir na vida da Igreja que o amor é mais forte do que todos os tipos de tensão e de divisão”.
Foucauld nos ensina a termos atenção para com as coisas aparentemente sem importância, para com aquilo que se nos afigura tão comum, para com a vida “oculta” de tantas pessoas sem destaque social. Ele quer “marcar presença” no meio dessas realidades com a força da fé e o calor da amizade.
E desta forma contesta esquemas de superioridade cultural e eclesiástica. Esforça-se por estar com “os últimos” e pretende, ele mesmo, ocupar “o último lugar”, identificando-se com os pequenos e os pobres. Mostra-se, assim, francamente avesso a todo carreirismo na Igreja e rejeita uma posição privilegiada para o clero. Apresenta-se simplesmente como “Irmão Carlos”, irmão menor (petit frère — irmãozinho) de seu Irmão maior, que é Jesus. Como Ele quer ser servo e irmão de todos, para levá-los indistintamente à nova vida que o Filho de Deus abriu para nós.
Em vez de uma Igreja triunfalista, dona da verdade, sempre reivindicando proteção e prerrogativas dos grandes deste mundo, sua opção é por uma Igreja pobre e servidora, na qual os pequenos se sentem “em casa”, recebidos como hóspedes de honra na Casa de Nazaré. Na regra que elaborou para aqueles que quisessem compartilhar sua vida anota:
“Ver em todo homem uma alma para salvar e dedicar-se à salvação dos homens como o seu Bem-amado, a tal ponto que o nome de ‘salvador’ resuma a sua vida como resume a vida de Jesus”. Para si adotou como lema Jesus Caritas, simbolizado num coração, encimado por uma cruz.