segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O SILÊNCIO - 2ª PARTE



2- O QUE O SILÊNCIO É OU NÃO É


EQUIPE DO BOLETIM ESPANHOL

1 - O SILÊNCIO NÃO É ALGO MERAMENTE NEGATIVO

Ele não é uma simples negação de conversação, mas algo positivo, um mundo completo em si mesmo. É algo mais que uma simples renúncia à palavra.

2 - O SILÊNCIO NÃO É A MERA AUSÊNCIA DE RUÍDO

Existe a ausência de ruído e existe o silêncio. O silêncio é a paz. A ausência de ruído, às vezes, é o nada angustioso. Há, por outro lado, ruídos que são essenciais ao silêncio: o tic-tac de um relógio, o murmúrio das folhas, o trilar de um pássaro, o agitar de suas asas.

3 - O SILÊNCIO NÃO É MUTISMO

O mutismo está para o silêncio como as conversações vãs estão para as palavras. Para existir como pessoa o homem tem que saber calar. Não é o mesmo que "ser mudo". A mudez é carência de palavra em que a pessoa se reprime. O calar, pelo contrário, supõe a pessoa, a única que pode estar naquele recolhimento sereno que se chama silêncio.

O mutismo é a "enfermidade mortal" do silêncio. O silêncio não é mudo e o que é mudo não é silêncio. As duas palavras se excluem. Não existe "silêncio mudo". O silêncio é uma forma de comunicação profunda, a mais profunda que existe na comunicação. O mudo, pelo contrário, se isola e se exclui de toda comunicação (Sciacca).

Uma pessoa pode ser calada por tristeza, temperamento, enfermidade etc. Mas a pessoa só pode ser silenciosa pela atenção, concentração, recolhimento, meditação, oração (idem).

4 - O SILÊNCIO NÃO SE RESUME NO MERO SILÊNCIO DOS LÁBIOS.

O silêncio não é nem pode ser unicamente externo. Ele tem diversos graus. Não se resume nos lábios, mas engloba todos os nossos membros e, mais ainda, a nossa alma. Existem o silêncio da palavra, da ação, da atitude, e o mais sublime, que se poderia chamar o "silêncio do silêncio".

Ele é a expressão de um estado interior. Para resolver não falar, a pessoa tem de viver internamente em silêncio. Mesmo calado, a pessoa pode estar às vezes cheio de ruídos, tumulto, ao passo que mesmo falando, pode ser interiormente silencioso, se as palavras que pronuncia são envolvidas pelo silêncio interior.

Quem julga os outros, por exemplo, mesmo calado, está falando continuamente: não sabe o que é o silêncio. Quando o que se fala é de alguma utilidade pessoal, na verdade é guardar silêncio.

Lembremo-nos de que todos os ruídos que nos rodeiam são menos barulhentos que nós mesmos. O verdadeiro ruído é o eco que as coisas produzem em nós. O silêncio é a sede [é] da palavra de Deus e se, quando falamos, nos limitamos a repetir essa palavra, então mesmo assim estamos em silêncio.

5 - NÃO EXISTE APENAS UMA CLASSE DE SILÊNCIO, MAS UMA PLURALIDADE DE SILÊNCIOS.

O silêncio é mais complexo do que parece. Não tem uma só forma de expressão, um só significado, mas pode assumir múltiplos significados. Levelle fala do silêncio de clausura, de discrição, de mortificação, de ameaça, de cólera, de rancor. Há também o da aceitação, o da promessa, o silêncio que suporta o peso de todas as recordações, sem evocar concretamente nenhuma delas, o que submete ao exame todas as possibilidades sem preferir nenhuma delas.

Há o silêncio pesado, como de chumbo, que oprime de tal modo que a menor palavra seria uma libertação. Há o silêncio frágil, cuja ruptura teme-se. Há o que protesta uma hostilidade irritada, por não encontrar os meios suficientemente fortes para expressar-se. Há o de amizade plena, feliz de haver superado todas as palavras e assim havê-las tornado inúteis. Há também o de admiração, e o de desprezo. Às vezes o silêncio faz sentir a presença do corpo como uma carga, que não se pode levantar; outras vezes, em troca, parece desprezá-lo como se se tivesse tornado um puro espírito. 



6 - O SILÊNCIO NÃO É SEMPRE E TOTALMENTE UM FENÔMENO POSITIVO 



Algumas pessoas conseguem o máximo de sua maldade no silêncio. Existe um silêncio que tem algo de divino, mas também um silêncio que tem algo de demoníaco. Existe o silêncio falso como a palavra falsa. Para Ghandi, o silêncio inspirado no medo não é silêncio.

São Gregório Magno aponta um "silêncio ruidoso" (o do rancor, do ódio, da inveja, que é um silêncio de dissipação. Às vezes o silêncio acaba sendo tão culpável como a charlatanice. Ainda São Gregório Magno diz que "Os demasiadamente calados, quando vêm os males alheios e continuam calados, são como quem visse suas feridas e não as deixasse curar; e se fazem responsáveis por sua morte, porque não quiseram arrancar aquele veneno que poderiam ter curado com suas palavras." Se o silêncio excessivo não fosse culpável, o profeta não teria dito: "Ai de mim, porque calei-me". 



7 - O SILÊNCIO NÃO É DESAMOR À PALAVRA, NÃO É UMA FUGA DO REINO DA LINGUAGEM.

Escolher o silêncio não significa ter ódio à palavra ou desprezar a palavra anônima, irresponsável, impessoal, falsa, mas certamente é ter amor à palavra autêntica, e à que permanece fiel ao silêncio que a sustém. É, pois, uma valorização da linguagem e dos perigos que ela apresenta hoje a uma consciência livre.

Quem ama o silêncio, ama também a palavra verdadeira, que não quebra o silêncio. A palavra procede do silêncio, expressa-o e a ele retorna. O silêncio é o espaço entre as palavras; é o espaço em que elas ressoam. Elas evocam sua infinidade.

"Um ressoar da palavra autêntica só pode brotar do silêncio" (Heidegger). "A linguagem é a que abre caminho à possibilidade do silêncio. Quem não sabe calar-se é como quem quer só espirar e nunca inspirar" (Romano Guardini).

Quem quiser viver profundamente, tem que criar em sua vida espaços de silêncio, aventurar-se nesse continente vasto e inexplorável como a Antártida, que é o silêncio.

O silêncio é um meio privilegiado para se conseguir a própria salvação, para desfrutar a presença de Deus; enfim, para entrar em contato com o sagrado, com o divino. Como a palavra é a linguagem usada para se falar entre os homens, o silêncio é a linguagem com que a alma fala com Deus e obtém dele o que precisa (João Paulo de Sault). É com o silêncio também que Deus fala com a alma e a instrui sobre as verdades da salvação e dos mistérios divinos.

O silêncio é o antegozo de Deus. A pegada divina nas coisas se conserva mediante a união com o mundo do silêncio. O homem amante do silêncio pode ser um sinal do Absoluto. De seu interior Deus brota até involuntariamente, sem que haja necessidade de qualquer preocupação especial. O homem é esse ser no silêncio por meio do qual pode atualizar-se para nós a presença de Deus.

Santo Agostinho, no comentário ao Evangelho de São João, afirma que "nossa alma tem necessidade de solidão. Na solidão, se a alma está atenta, Deus se deixa ver. A multidão é ruidosa; para ver a Deus é necessário o silêncio". Sobre esse assunto, os místicos escreveram suas mais belas páginas. Por exemplo, São João da Cruz: "Deus só escuta o amor silencioso ". Ângelo Silésio: "Se tu pensas em Deus, tu o ouves dentro de ti, na medida do teu silêncio".

Por tudo isso, o homem contemporâneo tem necessidade da escola do silêncio. Dela aprenderá o respeito à palavra, o descarte de conversas banais e irresponsáveis, da idolatria e da fascinação da palavra. O silêncio o levará a uma nova atitude em relação à realidade. De fato, o espírito de silêncio favorece o reconhecimento da finitude humana e anuncia o mistério. Quem deixa espaço ao silêncio em sua vida, automaticamente se reconhece criatura e ciente da necessidade (e saudade) da oração. "O silêncio constrói a vida de oração", diz Thomas Merton. A oração é um exercício de silêncio, diz Saint Exupéry.

O silêncio não prova, não argumenta, não demonstra, só testemunha, e por isso possui uma força insuspeita. O silêncio pode ser como um grito que chega até o céu.

O silêncio, finalmente, abre a dimensão da transcendência e do divino. " A figura de um homem amante do silêncio torna palpável o próprio Deus como presença de Cristo. O homem que escuta, põe atenção e aguça o ouvido e obedece, é o lugar onde se realiza esta transformação." 

Nunca como agora nosso mundo teve necessidade de tantos homens amantes do silêncio e talvez nunca como agora houve tão poucos! Aquele a quem agora lhe seja dado o dom da experiência do silêncio, pode estar agradecido, pode conservá-la bem e fazer com que ela seja fecunda.