7- A VIRTUDE DO SILÊNCIO – ROMANO GUARDINI
Romano Guardini.)
A vida do homem se desenvolve entre o silêncio e a palavra; entre o
calar e o falar.
Na palavra, a unidade de matéria e espírito, que se chama homem, alcança sua máxima perfeição, pois esta é a expressão material de algo espiritual que estava escondido, que é o pensamento. Aí se forma, no encontro com o outro, o diálogo. Só o homem tem essa faculdade.
Na palavra, a unidade de matéria e espírito, que se chama homem, alcança sua máxima perfeição, pois esta é a expressão material de algo espiritual que estava escondido, que é o pensamento. Aí se forma, no encontro com o outro, o diálogo. Só o homem tem essa faculdade.
Quanto ao silêncio, deixar simplesmente de falar, até as pedras o
fazem. Silêncio é quando o homem, depois de falar, volta-se a si mesmo e se
cala, ou também quando, podendo falar, permanece calado. Só pode calar-se quem
também pode falar. Porém, ser dono do próprio silêncio é uma virtude. Quem não
sabe calar-se é como quem quer só espirar e nunca expirar. A humanidade de quem
nunca se cala, dissolve-se.
Falar é mostrar ao outro o que tenho lá dentro, no mais íntimo de mim
mesmo. Quando há reciprocidade na comunicação, quando pergunta e resposta,
afirmação e objeção avançam em clareza e profundidade, isto quer dizer que eles
se comunicaram com a verdade: um maravilhoso modo de estar juntos.
Há horas em que a verdade contemplada interiormente não precisa de
nada mais. Sentarmo-nos nos bancos de uma igreja silenciosa, por exemplo, e
contemplarmos as colunas, as imagens, em silêncio, isso produz algo em nosso
interior que dificilmente seriamos capazes de expressarmos com totalidade.
Falando, o homem entra na história. A palavra, causa e efeito, entra
em ação e se solidifica num sentido preciso. Só no silêncio se realiza o
conhecimento autêntico. Conhecimento não é simplesmente notícia, informação,
embora esta seja boa e indispensável. Uma pessoa doente, por exemplo, só pode
ser ajudada se comunica a outro sua doença.
Só no silêncio eu chego diante de Deus. O princípio de toda a vida
religiosa consiste em saber que Deus existe. Deus é mais real do que eu. A
realidade íntima – Deus e eu – não se chega a ela falando, mas somente se
calando. Quando nos recolhemos, o espaço interior se abre e a divina presença
pode anunciar-se. Esse silêncio precisa ser aprendido. É preciso um esforço
tremendo para nos defendermos contra a onda de ruídos que envolve o mundo.
O alvoroço interior, o caos dos pensamentos, a variedade dos desejos,
as inquietudes, as angústias do espírito, o peso das depressões, o muro das
torpezas e todas as demais coisas que se amontoam em nosso mundo íntimo, são
como detritos sobre um manancial que o impedem de correr livremente.
Para aprender a calar-nos, temos que ter a boca fechada todas as vezes
em que o requer a confiança dos outros, o dever profissional, o tato, o
respeito à vida do próximo.
Permanecer calado quando se poderia falar, é um magnífico exercício
para adquirir domínio sobre a mania de falar. Quantas coisas supérfluas ou
bobas decidimos durante o dia! O silêncio é formoso, não é um vazio, mas vida
genuína e plena.
Temos que aprender o silêncio interior. O nosso mundo interior é
imenso e pode cada vez mais ser aprofundado. Com o silêncio, aprendemos a ser
homens. Quando aprendemos a calar e a falar quando devemos, revela-se em nós a
imagem de Deus.
Em 1ªReis 19,11-12, a imagem que significa a vinda de Deus é a de uma
paz infinita, de um silêncio que abrange tudo: Deus estava na brisa suave. O
silêncio, de tácita simplicidade, do trecho de Elias e o nascimento falante e
da comunicação do amor, do prólogo de São João, circunscrevem o mistério da
vida de Deus e de sua santa soberania.