domingo, 8 de janeiro de 2012

C.DE FOU 4) - Fé



A fé esclarece tudo com uma nova luz, diferente da luz dos sentidos, mais brilhante ou diferente... Assim, aquele que vive de fé tem a alma plena de pensamentos novos, de novos gostos, juízos novos.
São novos horizontes maravilhosos, iluminados por uma luz celeste e por uma beleza que vem da beleza divina.... (Retiro em Nazaré, 1897, Oeuvres Spirit. p. 523-24).

Começarei (...) fazendo minha confissão. Se sua fé não foi senão abalada, a minha, infelizmente, esteve morta durante anos: vivi, durante doze anos, sem fé alguma. Nada me parecia suficientemente provado. A mesma fé com que se segue religiões tão diversas parecia-me a condenação de todas: a de minha infância, mais do que outra qualquer, parecia-me inadmissível com seu 1=3, que eu não podia decidir-me a formular. 

O islamismo agradava-me bastante pela simplicidade, simplicidade de dogma, simplicidade de hierarquia, simplicidade de moral, mas eu via claramente que não possuía fundamento divino e que nele não estava a verdade; os filósofos estão todos em desacordo uns com os outros; permaneci doze anos sem nada negar nem crer, desesperando da verdade e não crendo em Deus, não me parecendo prova nenhuma suficientemente evidente... Vivia como se pode viver quando a última centelha de fé se apaga... Por que milagre a misericórdia divina me reconduziu de tão longe? Só posso atribuir a uma coisa: à infinita bondade d´Aquele que disse de Si mesmo “Ele é bom e sua misericórdia é eterna”... e à sua Onipotência... (Carta a Henry de Castries, 14/08/1901, Lettres à Henry de Castries, p. 94-95).

Enquanto estava em Paris providenciando a impressão de minha viagem ao Marrocos, entrei em contato com pessoas muito inteligentes, virtuosas e cristãs; dizia-me então “que talvez essa religião não fosse absurda”. Ao mesmo tempo uma graça interior impulsionava-me fortemente. Sem crer, comecei ir à igreja, único lugar onde me sentia bem e onde passava longas horas repetindo essa estranha oração: “Meu Deus, se Vós existis, fazei que eu Vos conheça...” 

Veio-me a ideia de que precisava informar-me sobre essa religião, e que talvez achasse essa verdade da qual já desesperava, e disse a mim mesmo que o melhor seria tomar umas lições... Assim como procurara um bom thaleb [professor] para ensinar-me árabe, procurei um padre instruído para dar-me ensinamentos sobre a religião católica ... Falaram-me de um padre católico muito distinto que fora aluno da Escola Normal. Encontrei-o em seu confessionário e disse-lhe não ter vindo para confessar, pois não tinha fé, mas que desejava alguns esclarecimentos sobre a religião católica.... A obra de minha conversão, que o bom Deus tão poderosamente começara por sua graça interior, tão forte que quase irresistivelmente me arrastara à igreja, por Ele mesmo seria completada. 

O padre, que eu desconhecia e a quem Ele me conduziu, aliava a uma grande instrução uma virtude e uma bondade ainda maiores.Tornou-se meu confessor e não deixou de ser meu melhor amigo nestes quinze anos que, desde então, decorreram..

Assim que acreditei haver um Deus, compreendi que não poderia fazer outra coisa se não viver só para Ele: minha vocação religiosa data da mesma hora que a minha fé em Deus é tão grande! Há uma tal diferença entre Deus e tudo o que não é Ele.... (Id., p. 95-96).

É no momento em que Jacó está a caminho, pobre, só; quando deita sobre a terra nua do deserto para repousar após uma longa caminhada, é no momento em que se acha nessa dolorosa situação de viajante solitário, em meio a uma longa viagem por país estrangeiro e selvagem; sem teto, é no momento em que se encontra nessa triste condição, que Deus o cumula de favores incomparáveis. Aparece-lhe numa visão magnífica em que, após lhe mostrar os anjos incessantemente ocupados com a guarda dos homens, indo e vindo da terra ao céu e do céu à terra para dar-lhes tudo o que necessitam, Ele promete protegê-lo durante toda a viagem, cumulá-lo de graças durante sua vida e após sua morte, abençoar num de seus descendentes todos os povos da terra, fazer nascer, dentre seus recém-nascidos, o Divino Salvador... 

Envolve-o de tanta luz e felicidade que Jacó, esse pobre viajante tão acabrunhado e triste ao deixar-se cair, ergue-se exclamando: “Este lugar é verdadeiramente a casa de Deus e a porta do Céu”. Doravante quem terá medo de fazer, sobretudo se for para Vos seguir, meu Deus, para melhor Vos amar e melhor Vos servir, quem terá medo de fazer longas jornadas a pé, através de povos desconhecidos, sozinho e pobre? Quem terá medo, quando inundais com tais delicias os que parecem estar destinados a tantos sofrimentos? 

Ó meu Deus, como Vos é fácil transformar a dor em alegria, aplainar os montes, tornar fácil o que parece quase impossível... “Procurai primeiro o reino de Deus e tudo o mais vos será dado por acréscimo...”.

Façamos o que for mais perfeito, iniciemo-lo, e Deus fará com que tenhamos êxito... E não temamos as longas jornadas, sozinhos, a pé, mendigando nosso pão, com São Pedro, São Paulo e tantos outros santos, desde que vejamos ser o mais perfeito. Nunca estamos sozinhos; nosso anjo da guarda cobre-nos com suas asas, Jesus está em nosso coração. Deus nos cerca, a Santa Virgem tem os olhos sobre nós e é nos caminhos que nos parecem tão tristes, que Deus nos força a exclamar: “Este lugar é a casa de Deus e a porta do céu” (Meditações sobre o Antigo Testamento, Gênesis, 28, 11 e ss. Oeuvres Spirit., p. 65-66).

“Por que temeis, homens de pouca fé?” (Mt 8,26). Uma das coisas que os nossos deveres em relação ao Senhor nos impõem é não ter medo... Ter medo é fazer-lhe uma dupla injúria. É esquecê-lo, esquecer que Ele está conosco, que nos ama e é Todo-Poderoso. É ainda não nos conformarmos com a sua vontade. Se conformarmos a nossa vontade com a sua, dado que tudo o que acontece é querido ou permitido por Ele, ficaremos satisfeitos com tudo o que suceder e nunca estaremos inquietos ou medrosos... (Meditações sobre o Evangelho. Textos Espirituais, p. 56).

“Homens de pouca fé, por que duvidastes”” (Mt 14,31). Como é grande a fé que Nosso Senhor nos pede e como é justo o seu pedido. (...) Isto nos parece impossível, mas Cristo é o senhor do impossível. (...) Precisamos, pois, de três coisas: primeiro, fazer como Pedro, pedir a Nosso Senhor que nos chame a Ele claramente. Depois, tendo ouvido o seu “Vem”, sem o qual não temos o direito de nos lançar à água (seria presunção e imprudência, arriscar gravemente a vida, seria pecado, e conseqüentemente pecado grave, porque arriscar a vida da alma é ainda mais criminosos que arriscar a vida do corpo) e ouvido distintamente (até então, o nosso dever é orar e esperar), atirarmo-nos à água, sem hesitar como Pedro. 

Finalmente confiando no “Vem”, saído da boca de Deus, é preciso avançar até o fim sobre as ondas, sem sombra de inquietação, certos de que se marcharmos com fé e fidelidade, tudo nos será fácil no caminho para onde Ele nos chama, e isto por virtude da palavra “Vem”. Sigamos, pois, pela via a que Ele nos chama, com uma fé absoluta, porque o céu e a Terra passarão, mas a sua palavra não passará! (Meditações sobre o Evangelho. Textos Espirituais, p. 59).