sábado, 7 de janeiro de 2012

FR. HENRIQUE- C. FOUC.-03




Na tradição cristã, espiritualidade indica uma forma concreta — movida pelo Espírito Santo — de se viver o Evangelho.
Inclui práticas e atitudes que manifestam a experiência de Deus numa pessoa ou comunidade. O núcleo comum e indispensável para toda e qualquer autêntica espiritualidade cristã é o seguimento de Jesus,sob a direção da Igreja. Uma de suas características essenciais é viver da convicção de que a vida nos é dada gratuitamente, que dependemos uns dos outros, e que somos co-responsáveis pela obra de Deus em nós e em toda a Criação.

Charles de Foucauld desenvolve na sua vida um aspecto típico da sequela Christi — base de toda espiritualidade cristã — que pode ser denominado: “a espiritualidade de Nazaré”.

O encontro com o Jesus Nazareno 

Foucauld fica profundamente impressionado com o realismo da encarnação do Filho de Deus, com o mistério de Jesus histórico, que veio por amor morar no meio de nós, assumindo a condição humana como servo. Aniquilou-se a si mesmo, se esvaziou, desceu para nos salvar (cf. Fl 2,6-11). Deus, por assim dizer, quis “materializar-se”, tornar-se criatura, pequeno e dependente, pobre e identificado com “os últimos.”

Desde a sua primeira estadia em Nazaré, este mistério da condescendência divina o fascina extraordinariamente.

Encontrará aqui seu próprio “caminho espiritual”.

Lentamente cresce nele a certeza de que é chamado a seguir este Jesus Nazareno. Para o Jesus palestinense o ser nazareno se convertera numa opção de vida. Sua longa, silenciosa, rica e sofrida experiência no povoado histórico de Nazaré deu-lhe sua identidade. “Seu ser-nazareno o fez Emanuel, isto é, Deus próximo, porque assumiu a identidade dos afastados, viveu longamente essa condição, identificou-se com ela... Será para Jesus a força reveladora da novidade inquietante de seu Pai que convoca à mais profunda fraternidade, a partir dos últimos do mundo”.

Nazaré se tornou para Foucauld a porta de entrada para a totalidade do mistério de Cristo, seu bem-amado Irmão e Senhor, abrindo-lhe, igualmente, a compreensão de Deus como Pai. Nazaré constitui um forte apelo para viver seu amor apaixonado por Jesus, nas circunstâncias mais ordinárias da vida.


Sem cessar fala, em suas cartas e demais escritos, sobre a centralidade da imitação de Cristo. Jesus se lhe apresenta como seu “Modelo único”: “Não concebo o amor sem uma necessidade, uma necessidade imperiosa de conformidade, de assimilação,... de partilha...” O meio mais simples — escreve a 13-5-1903 — para unir-se a este seu Irmão mais velho é “agir, falar, pensar sempre com Ele e como Ele, mantendo-se em sua presença e imitando-O” . 

Configurar-se a Jesus Cristo torna-se a dinâmica espiritual de sua vida e é com este seu bem-amado Irmão que estabelece uma íntima relação de amizade. Encontra-O presente nos textos dos Evangelhos, na Eucaristia, no seu amor salvífico para com todos os seres humanos, particularmente os mais abandonados e esquecidos.

Como Jesus, busca fazer em tudo a vontade do Pai,que se manifesta nas circunstâncias concretas da vida e na direção de um guia espiritual, no seu caso particular o Padre Henri Huvelin. Discernir, ou seja, procurar a vontade divina, é um exercício central da vida cristã. Colocam-se para o seguidor de Jesus perguntas concretas, tais como:

O que me move no mais íntimo de meu ser? Estou privilegiando meus próprios interesses, ou procuro honestamente viver em prol dos outros, da causa de Deus, dos valores de seu Reino?

Buscando amorosamente seguir Jesus em Nazaré, Charles de Foucauld acentua o despojamento (abjeção) do Filho de Deus, seu “colocar-se no último lugar”.

Desenvolve uma verdadeira “mística da kénosis”: esvaziar-se a si mesmo a fim de criar espaço para Deus e para o próximo e, assim, chegar à liberdade de espírito e à verdadeira alegria interior. Numa das anotações sobre o Evangelho, no ano de sua morte (1916), escreve: “Embora por um lado tudo seja indiferente, devo preferir a abjeção à honra, o esquecimento ao fato de ser alvo de atenções, a penúria à abundância, para me assemelhar a Jesus”12 .

Ser cristiforme se traduz também em gestos e atitudes inspirados no Jesus histórico, cujo eco encontramos nos Evangelhos. Assim, Irmão Carlos dá muita importância à amizade, à bondade, à hospitalidade, à capacidade de escuta e de aconselhamento. 

Escreve: “Meu apostolado deve ser o apostolado da bondade. Quem me vê deve pensar: ‘Já que este homem é tão bom, sua religião deve ser boa’. Se me perguntarem por que sou dócil e bom, devo dizer: ‘Porque sou servidor de alguém muito melhor do que eu. Se vocês soubessem quão bom é meu Mestre Jesus!’ ” .