Nossos irmãos participantes da assembleia do Cairo introduzem sua mensagem a todos os membros da Fraternidade Sacerdotal citando a conhecida frase do Irmão Carlos, escrita ao abade trapista Dom Martin, em carta de sete de fevereiro de 1902:
“Não temos o direito de ser sentinelas adormecidas, cães mudos, pastores indiferentes”.
“Não temos o direito de ser sentinelas adormecidas, cães mudos, pastores indiferentes”.
O Diretório de 1976, n. 18, falando do povo no qual vivemos e com o qual convivemos, lembra que às vezes se fazem necessárias “tomadas de posição claras e públicas e até mesmo rupturas indispensáveis”. E cita então o pensamento do Irmão Carlos:
Não sejais sentinelas adormecidas, cães mudos”. Trata-se, pois, de um pensamento já conhecido e assumido na Fraternidade Sacerdotal. Faz parte dos nossos objetivos não ser sentinela adormecida, cão mudo, pastor indiferente, ou, positivamente, na Fraternidade cada um de nós procura ser sentinela desperta, cão ruidoso, pastor comprometido.
A sentinela tem a função de vigiar, guardar, por isso deve estar atenta o tempo todo.
No nosso caso, isso supõe 24 horas de doação. Devorados pelo Evangelho, não há pausa ministerial. Somos cães ruidosos, ladrando para dar sinal, reagindo a alguma presença indébita, por vezes mordendo. Não reagimos, porém, pela violência do instinto. Somos inteligentes e racionais. O que não queremos é ficar quietos quando é preciso falar.
Irmãzinha Madalena de Jesus
Interesses pessoais, interesses carreiristas não nos impedirão de dar o sinal quando a justiça estiver comprometida, quando a misericórdia for abandonada.
Pastor indiferente não se importa com a sorte do rebanho. Pastor comprometido está o tempo todo envolvido em ações concretas em favor de pessoas concretas e do conjunto da sociedade. Sua visão é larga, abrangente, envolvente. Suas ações são construtivas e criativas. Sua mente está concebendo constantemente e seu coração dá à luz projetos de vida. Marca presença, está, responde. Vive em função do rebanho.
Pastor indiferente cuida de si mesmo e de seu prestígio, não duvidando sacrificar as ovelhas para salvaguardar seu lugar ao sol.
Foi a propósito da escravidão no Saara que o Irmão Carlos afirmou: “Não temos o direito de ser sentinelas adormecidas, cães mudos, pastores indiferentes”. E acrescentava: “eu me pergunto, numa palavra, (estando de acordo como estamos a respeito da conduta a ser seguida com os escravos), se não é preciso levantar a voz, direta ou indiretamente, para tornar conhecida na França esta injustiça e este roubo autorizado da escravidão em nossas regiões, e dizer ou fazer dizer: isto acabou, non licet.
Na carta a Dom Martin, Irmão Carlos revela seu pensamento sobre a dignidade da pessoa humana e revela sua maneira de dizer o que pensa. Parece que Dom Martin, em carta, o havia aconselhado a evitar rebeliões e fugas de escravos e a consolar os escravizados com a esperança da libertação futura no céu. Irmão Carlos responde de maneira muito respeitosa, dizendo:
“Obrigado pela resposta tão clara e completa sobre a escravidão. O que o Sr. diz é o que estou fazendo em relação aos escravos. Longe de pregar-lhes rebelião e fuga, digo-lhes: paciência e esperança. Deus permite vossas penas para o vosso arrependimento e vossa glória celeste. Orai a Deus e santificai-vos. A quem busca o reino de Deus, o resto se lhe dá por acréscimo. A escravidão do homem e a pátria terrestre passam depressa, como a vida. Pensai na escravidão de satanás e na pátria celeste”.
Tais palavras soam muito mal a nossos ouvidos latino-americanos, ao menos soavam até agora. Mas, é na continuação que o Irmão Carlos se revela. “Porém, dito isto, e tendo-os aliviado na medida do possível, parece-me que nossa obrigação não terminou. É preciso dizer, ou existir alguém a quem compete dizer: non licet, vae vobis, hypocritae, que pondes nos selos e em toda parte ‘liberdade, igualdade, fraternidade, direitos humanos”, e reforçais os grilhões dos escravos, condenais às galeras os que falsificam vossos bilhetes de banco, e permitis que as crianças sejam roubadas de seus pais e vendidas publicamente, que castigais o roubo de um frango e permitis o de um homem (de fato, nestas regiões, crianças nascidas livres são arrancadas violentamente e de repente de seus pais)...
Não devemos nos imiscuir no governo do temporal, ninguém está mais convencido disso do que eu, mas é preciso “amar a justiça e odiar a iniquidade”, e quando o governo temporal comete uma grave injustiça contra aqueles dos quais, de alguma maneira, estamos encarregados (sou o único sacerdote da Prefeitura num raio de 300 kms), é preciso dizê-lo, pois nós representamos na terra a justiça e a verdade, e não temos direito de ser sentinelas adormecidas, cães mudos, pastores indiferentes.
Eu me pergunto, numa palavra, (estando de acordo, como estamos, a respeito da conduta a ser seguida com os escravos), se não é preciso levantar a voz, direta ou indiretamente para tornar conhecida na França esta injustiça e este roubo autorizado da escravidão em nossas regiões, e dizer ou fazer dizer: isto acabou, non licet. Avisei o Prefeito Apostólico. Talvez seja suficiente. Longe de mim o desejo de falar ou escrever, mas não quero trair meus filhos, não fazer o necessário por Jesus, vivo em seus membros; é Jesus quem está nesta dolorosa situação. “O que fazeis a um destes pequenos, a mim o fazeis”.
Não quero ser mau pastor, cão mudo. Tenho medo de sacrificar Jesus a meu descanso e meu grande gosto pela tranqüilidade, à minha preguiça e timidez naturais”.